Bruxas ontem e hoje

Por Luciano Machado < lucianomachado@terra.com >
 
                                                  

"O herege não é aquele que é queimado na fogueira, mas sim aquele que acende a fogueira."

 
Escolhi essa frase de Willian Shakespeare para ser o ponto de partida nessa breve aventura no universo da Bruxaria e de suas protagonistas, as Bruxas, pois talvez nenhuma outra traduza de forma tão clara a realidade que temos vivenciado em séculos de intolerância e radicalismo.
 
Compreender o fenômeno da bruxaria requer deixar de lado a nossa visão romântica perpetuada pelo imaginário popular com representações que reduzem as bruxas a caricaturas do Mal, bem como nos distanciarmos também da visão estereotipada das Wiccans, ou bruxas modernas.
 
Nossa abordagem sobre o tema começa respondendo a questão fundamental para muitos. Sim, as bruxas existiram e ainda existem e da mesma forma que no passado, atuam na construção social de sua época como objeto de purificação de uma sociedade dominada por religiões institucionalizadas e por conceitos e dogmas que não exercitam o nosso autoconhecimento, mas ao contrário, querem tornar todos de um mesmo jeito, como se fôssemos todos iguais, sem anseios nem sonhos tão diferentes.
 
 

Um pouco de História

 
           A Inquisição, instituída para combater a heresia, revelou uma verdadeira obsessão pelo Demônio e por uma legião de seguidores a serviço dele. Em 1233, o papa Gregório IX admitiu a existência de rituais de perversão, orgia e heresia, os sabás; em 1326, o papa João XXII, autorizou a perseguição à bruxaria classificando-a como heresia. Em 1484, Inocêncio VIII publicou a bula Summis desiderantes affectibus, na qual reforçava a necessidade de combater e extirpar a “perversão herética” por todos os meios e confirmava a existência da bruxaria como prática demoníaca.

 

 
Dois anos depois, em 1486, foi publicado o Malleus maleficarum, que, além de fornecer elementos à repressão, originou a caça às bruxas, pois ainda que evocasse os bruxos, que inegavelmente existiam, ressaltava a mulher como agente a serviço do Mal. De fato, sempre se admitiu que a mulher fosse mais inclinada às práticas mágicas, porém a partir de agora era evocada a sua demonização.
 
A Europa foi varrida numa insana e desmedida caça aos servos do demônio. As perseguições atingiram indiferentemente cidades e vilarejos, ricos e pobres, homens e mulheres, com uma maioria esmagadora de mulheres. A perseguição à bruxaria atingiu assim seu auge no século XV e só diminuiu significativamente 200 anos depois.
 
 
 

Bruxaria ou Feitiçaria

 
A Bruxaria é um dos muitos ramos da Feitiçaria, embora alguns entendam que é a mesma coisa. Para os escritores e pesquisadores ingleses Evan John Jones e Doreen Valiente é importante lembrar que o termo bruxaria advém de uma época e lugar específico, a Europa medieval, enquanto o termo feitiçaria seria muito mais antigo e usado por diferentes povos e culturas.
 
Nas palavras de Evan John Jones -"Nunca se ouviu falar de uma bruxa chinesa, uma bruxa árabe ou uma bruxa africana, porém em cada uma dessas culturas e em muitas mais sempre existiram feiticeiras, mulheres que lidam com forças sobrenaturais, nem sempre positivas, porém muito poderosas."
 
Para Scott Cunningham, um dos mais conhecidos pesquisadores e autores sobre Bruxaria, a diferença está relacionada ao culto. Segundo ele, a Bruxaria tem forma organizada, com rituais, datas de celebração e divindades cultuadas, enquanto a feitiçaria é uma forma de magia relacionada à crença animista, mais primitiva e intuitiva. Dessa forma ela defende que embora possa ser solitária, familiar ou comunitária, a Bruxaria é uma religião enquanto a feitiçaria é puramente prática de sortilégios e magia dispensando dogma e ritual.
 
Gerina Dunwich, outra renomada pesquisadora sobre Bruxaria na idade média e um dos principais expoentes da Bruxaria Moderna (Wicca) concorda com Scott Cunningham e destaca: A bruxaria antiga, assim como a moderna, prioriza o bem-estar coletivo, o desenvolvimento do conhecimento humano e a visão da Mulher como complemento da Divindade.
 
 

Bruxaria hoje

 
Com o advento da Bruxaria Moderna, surgida na metade do século XX e atualmente difundida em muitos países ocidentais, inclusive no Brasil, estamos diante de um movimento que busca resgatar o contato íntimo com a natureza física e humana, uma “religião” tolerante a toda diversidade e simpática às causas sociais e ambientais. A Bruxaria defende as faculdades mágicas presentes no Homem, na Mulher e em toda Natureza, uma crença que nos liberta do “pecado” e nos motiva a buscar um conhecimento mais profundo de nós mesmos.
 

 

 

"Eu sigo a bruxaria desde sempre, eu acho (risos). Está em mim, está em toda mulher que se descobre, se conhece e sabe que somos parte do mundo, parte da Mãe Terra, somos uma expressão da Grande Mãe e devemos estar em harmonia com Ela para gozarmos de sua plenitude."
 
Lana Vial, 46 anos, casada, mãe de uma filha, mora em Porto Alegre e dedica-se a prática da Bruxaria há mais de 20 anos.

 

 
 
 
Concordo com Lana, essa adorável bruxa que tive o prazer de conhecer há muito tempo e que me orientou nesse universo de encanto e magia onde a prática da Bruxaria mistura-se com a vivência do Sagrado Feminino, tão renegado e mal compreendido através dos séculos.
 
É fato que as bruxas existem, não somente na História, mas também nos dias atuais, assim como é fato que a Bruxaria é um caminho de sabedoria, de reencontro e de harmonia. Um aprendizado capaz de tornar mais pleno todo homem e toda mulher.
 
 
 
 
Para saber Mais
 
História do medo no Ocidente, Jean Delumeau, Companhia das Letras, 1989
História Noturna – decifrando o Sabá, Carlo Ginzburg, Companhia das Letras, 1991
Pensando com demônios, Stuart Clark, Edusp, 2006.
Feitiçaria para amanhã, Doreen Valiente, Londres, 1978.
A Bruxaria Moderna, Scott Cunningham, Editora Gaia, 1997.
A Bruxaria Ontem e Hoje, Hans Holzer, Londres, 1986.